quarta-feira, 18 de maio de 2011

Especial Escolas - A escola - parque


Especial Escolas
A escola-parque:
ou o sonho de uma educação completa(em edifícios modernos)

Por Maria Alice Junqueira Bastos
"Comecemos pelas escolas, se alguma coisa deve ser feita para 'reformar' os homens, a primeira coisa é 'formá-los'.”
 (Lina Bo Bardi em Primeiro: escolas, Habitat, no 4, 1951)
Nas origens da educação pública no País está o pensamento liberal da igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, entendida como um instrumento essencial para a construção de uma sociedade de oportunidades iguais. Na Primeira República, o programa educacional público era direcionado ao ensino elementar, enquanto o secundário, considerado prerrogativa das elites e não-obrigatório, era ministrado por instituições privadas.
A ascensão de Getúlio Vargas em 1930 propiciou, num primeiro momento, espaço para a idéia da educação pública como elemento remodelador do País na construção de uma sociedade moderna e democrática. Em 1932, um grupo de intelectuais lançou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que defendia a universalização da escola pública, laica e gratuita. Entre os intelectuais que assinaram o documento estava Anísio Teixeira (1900-1971), figura central na educação pública brasileira no século 20, cujas idéias ainda pairam sobre os discursos e as iniciativas na área.
Baiano, Anísio Teixeira formou-se no Rio de Janeiro em direito e, em 1924, passou a trabalhar como inspetor-geral do ensino na Bahia. O interesse pela educação levou-o à Europa e aos Estados Unidos para observar os novos sistemas de ensino que estavam sendo pesquisados.
fotos Haifa Sabbag
Escola-parque ou Centro Educacional Carneiro Ribeiro (em duas etapas: 1947 e 1956), em Salvador, de Diógenes Rebouças
Na volta ao Brasil, foi nomeado diretor de instrução pública do Rio de Janeiro no princípio da década de 1930. Perseguido pela ditadura Vargas, acabou se demitindo em 1936 e voltando para a Bahia.
Em 1947, num cenário de democratização do País finda a ditadura Vargas, e numa Bahia impulsionada pelo governo progressista de Octávio Mangabeira, Anísio Teixeira, como secretário da educação do Estado da Bahia, elaborou o Plano Estadual de Educação Escolar que criou conceitualmente a escola-parque, ou seja, um espaço completo de formação educacional. Anísio Teixeira tinha afinidade intelectual com as ideias do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952), que desenvolveu uma concepção pragmática de educação baseada na constante reconstrução da experiência diante de um mundo em transformação. Para Anísio Teixeira a escola precisava educar em vez de instruir, formar homens livres em vez de homens dóceis, preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado claro, ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. O interesse do estudante devia orientar o seu aprendizado num ambiente de liberdade e confiança mútua entre professores e alunos, em que esses fossem ensinados a pensar e julgar por si mesmos.
As escolas comunitárias norte-americanas inspiraram o programa da escola-parque concebido por Anísio Teixeira na secretaria da educação da Bahia. No Brasil, onde a questão da quantidade muitas vezes atropela a qualidade, Anísio Teixeira pensou alcançar a qualidade propondo um sistema em que a educação da sala de aula fosse completada por uma educação dirigida. Pensou em um sistema composto por "escolas-classe" e "escolas-parque": quatro escolas-classe, para mil alunos cada, construídas no entorno de uma escola-parque, para quatro mil alunos, e os estudantes frequentariam ambas num sistema alternado de turnos. Na escola-parque funcionavam as atividades complementares: educação física, social, artística e industrial. O arquiteto Diógenes Rebouças projetou a escola-parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro (primeira etapa 1947/segunda etapa 1956) dentro da ideia de um espaço completo de formação, num período em que se mesclavam princípios modernos na arquitetura e idealismo social nos programas arquitetônicos. Em entrevista concedida à AU, em 1986, Diógenes Rebouças declarou que "todas as obras do plano educacional do Estado que eu fiz, todos eles, o Centro Carneiro Ribeiro, a escola-parque, apenas interpretei uma magnífica ideia que sugeria uma arquitetura sadia, modesta e séria, isso pelo programa".
Três ideias míticas - a escola-parque como proposta de uma educação completa, princípios modernos de arquitetura e a escola como ponto de convívio da comunidade - são conceitos recorrentes quando o tema é projeto de escola pública. O próprio Anísio Teixeira era um entusiasta da arquitetura moderna. "Todos nós que sonhamos com um estado de entusiasmo para a grande aventura de construir nacionalidade temos nesse movimento da arquitetura brasileira uma pequena amostra do que poderíamos ser se um estado de esclarecimento e de fé se criasse, como se criou entre esses engenheiros, em nossa agricultura, nossa indústria, nosso comércio, nossa educação e nossos serviços públicos e sociais em geral" (Anísio Teixeira em Um presságio de progresso, Habitat no 4, 1951).
No Estado de São Paulo, a arquitetura moderna passou a ser empregada nas escolas públicas a partir do Convênio Escolar, um acordo firmado em 1948 entre o Estado e o Município de São Paulo, cujas principais realizações ocorreram de 1949 a 1954. A prefeitura de São Paulo precisava se adequar à constituição de 1946, segundo a qual União, Estados e Municípios deviam aplicar no ensino público uma porcentagem da arrecadação de impostos.
Como o Estado já cumpria a exigência legal do gasto mínimo com educação e a prefeitura estava longe disso, no acordo firmado coube à prefeitura de São Paulo a construção de edifícios escolares para todos os níveis, assim como de instalações auxiliares ao ensino, até o pleno atendimento das necessidades da população escolar, enquanto o Estado continuaria encarregado de ministrar a educação. A prefeitura de São Paulo criou um organismo específico para cumprir o Convênio, a Comissão Executiva do Convênio Escolar, com o arquiteto Hélio Duarte na direção técnica do plano de construções. 
Carioca, antes de vir para São Paulo, Hélio Duarte morou em Salvador onde teve contato com a conceituação da escola-parque de Anísio Teixeira, que procurou trazer para as escolas do Convênio. Nos anos do Convênio Escolar foram construídas dezenas de escolas, muitas delas com programas bastante amplos, incluindo salas de dança, de ginástica corretiva, consultórios médico e dentário, hortas, viveiros, laboratórios, museu escolar, anfiteatro.
Arquitetonicamente, os edifícios se alinhavam com a Escola Carioca: divisão funcional do programa em diferentes volumes, distribuídos em formas aproximadas de U ou H, tetos planos ou inclinados em meia-água, pilotis, panos de vidro com protetores solares, elementos vazados, integração entre espaço interno e externo, estrutura e paramentos revestidos. Os arquitetos foram, entre outros, o próprio Hélio Duarte, Oswaldo Corrêa Gonçalves, Roberto Tibau, o engenheiro Robert Mange.
Diferentemente da Bahia, onde a definição espacial da escola-parque surgiu em resposta a uma tentativa de reforma educacional, em São Paulo a renovação espacial e de programa das escolas era dissociada da renovação do ensino, que cabia ao Estado e não à municipalidade.
No entanto, a retórica mais eloquente não descartava a esperança de que a qualidade do espaço moderno pudesse de alguma forma, atuar positivamente no ensino. Em Um presságio de progresso (Habitat no 4, 1951), Anísio Teixeira escreve: "Reconheçamos com Pascal que o homem é feito de tal modo que, embora o sentimento anteceda o gesto na sua ordem natural, o gesto pode gerar o sentimento. No Brasil, estamos a procurar esse efeito. Façamos o gesto da fé para ver se a adquiriremos. A arquitetura moderna é esse gesto. Possam esses prédios escolares (...) comunicarem à educação e, pela educação, à existência brasileira, as suas finas e altas qualidades de inteligência, coragem e desprendida confiança no futuro".
No texto O problema escolar e a arquitetura (Habitat no 4, 1951), Hélio Duarte transmite o esforço comovente da Comissão do Convênio em se inteirar do que julgava serem as correntes educacionais mais evoluídas e, diante disso, em estabelecer premissas para a arquitetura escolar.
imagens Hélio Duarte
Croquis das escolas-classe (1948), em São Paulo, de Hélio Duarte
Nas duas imagens à esquerda, Grupo Escolar Almirante Barroso (1949). À direita, no alto, Grupo Escolar de Vila Leopoldina (1949) e, acima, Grupo Escolar de Moema (1949). Todas assinadas por Hélio Duarte, em São Paulo
"A característica primordial, arquitetônica, de um grupo escolar deve estar subordinada em primeiro lugar à criança. É para a criança que se faz um grupo e não para os professores (.)." Duarte argumenta ainda que "a criação de 'ambientes' é sumamente desejável": "Sempre que possível a natureza deve penetrar nas salas e nas diversas peças que constituem um grupo".
Além de procurar responder a uma idéia de pedagogia, há a premissa de que as soluções interajam com o lugar. "Ao dar corpo ao organismo, encontramos incidências físicas que nos levam a soluções as mais diversas no intuito de harmonizá-las com a programação admitida. A topografia quase sempre torturada, os ventos nocivos, as proximidades indesejáveis, a orientação magnética e solar, o panorama, tudo tem que entrar em consideração. O prédio não deve utilizar o terreno, antes ser com ele homogêneo, adaptar-se a ele, ser como coisa 'posta' e não 'imposta'". O convênio construiu grande variedade de equipamentos, de pequenos jardins da infância a grandes grupos escolares e colégios.
Hélio Duarte também pensou em aproveitar a estrutura física da escola como centro social do bairro. Em Considerações sobre arquitetura e educação (Acrópole no 210, 1956), Duarte escreve: "A valorização social da escola como agrupamento unitário e ponto focal de uma comunidade, levando-a a um uso intensivo estaria, no mínimo, a duplicar o seu valor de uso e, na mesma proporção, a reduzir o seu valor de custo".
Nos anos 80, também num cenário de abertura democrática do País, o programa da escola-parque de Anísio Teixeira foi retomado por Darcy Ribeiro no Estado do Rio de Janeiro, na figura dos Centros Integrados de Educação Pública. Os CIEPs tornaram-se a política pública mais marcante do governo Leonel Brizola (1983-1987), em que Darcy Ribeiro acumulava os cargos de vice-governador e secretário da ciência e cultura.
Os CIEPs tinham a pretensão de propiciar uma revolução no ensino público do Rio de Janeiro ao garantir nas áreas mais carentes do Estado as condições mínimas necessárias ao aprendizado, assumindo alguns cuidados que, em condições mais favoráveis, deveriam caber à família. Por meio de período integral (8 h às 17 h), com acompanhamento docente extra-aula e três refeições diárias, além de atendimento médico e odontológico, a escola pública estaria compensando a situação social adversa das crianças e jovens mais desfavorecidos economicamente. Esse apoio se estendia aos sábados e domingos, em que permaneciam abertos a quadra, a biblioteca e o consultório.
Nas duas imagens à esquerda, conjunto educacional em São Miguel Paulista (1956), de Roberto José Goulart Tibau, em colaboração com AC Pitombo e JB Arruda. À direita, Ginásio Estadual da Penha (1953), em São Paulo, de Eduardo Corona. Ambos pelo Convênio Escolar
A definição arquitetônica dos CIEPs coube ao arquiteto Oscar Niemeyer (em colaboração com Carlos Magalhães da Silveira, José Manoel Klost Lopes da Silva, João Cândido Niemeyer Soares e Hans Muller) que concebeu um projeto-padrão de sete mil metros quadrados, englobando um edifício principal de três pavimentos com 24 salas de aula, refeitório, consultório e serviços auxiliares, e, em dois anexos, a biblioteca e um ginásio de esportes, numa configuração que demandava terrenos de dez mil metros quadrados. A dificuldade de contar com grandes terrenos nas áreas mais densas levou a uma solução mais compacta com a quadra esportiva na cobertura do edifício escolar.
A definição técnico-construtiva dos CIEPs contemplava o uso de estrutura de concreto pré-moldada em usina, solução justificada pela escala do programa e rapidez da execução (seis meses). Nas duas gestões de Leonel Brizola no governo do Rio (1983-1987 e 1991-1995), foram construídas quase 500 escolas. As peças estruturais foram definidas junto com o projeto e produzidas na "fábrica de escolas" coordenada por João Filgueiras Lima.
O edifício das salas de aula tem planta convencional com 15 vãos de 5 m no sentido longitudinal e vãos de 6 m e 8 m no transversal. O térreo é semiocupado pelas áreas destinadas a consultório e refeitório que extravasam para fora da estrutura nas duas extremidades do edifício. A circulação vertical dá-se por ampla rampa colocada numa das laterais maiores e os dois pavimentos das salas de aula têm circulação central.
A estrutura desenha vãos verticais arredondados, preenchidos por peitoril colorido e esquadrias de alumínio. A biblioteca tem projeção octogonal e aberturas também octogonais. O ginásio se limita a uma cobertura com apoios nos dois lados maiores e 20 m livres no sentido transversal.
A escola-parque concebida por Anísio Teixeira também serviu de inspiração para um projeto ambicioso da prefeitura de São Paulo na gestão Marta Suplicy (2001-2004), que fez dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) o carro-chefe da política educacional da prefeitura.
Os CEUs ocupam áreas nos rincões mais carentes do município e têm a proposta de oferecer um programa educacional amplo, que inclui esportes e áreas artísticas. Além das questões educacionais, seu espaço físico é liberado para uso como praça ou clube de lazer nos finais de semana para encontro da comunidade. No caso dos CEUs, a inspiração na escola-parque de Anísio Teixeira parece ser também arquitetônica. O projeto faz homenagem ao desenho moderno que Teixeira tanto prezava e, involuntariamente ou não, à carga simbólica que se mesclou a ele em termos de utopias sociais.
Nas duas imagens à esquerda, Grupo Escolar Almirante Barroso (1949). À direita, no alto, Grupo Escolar de Vila Leopoldina (1949) e, acima, Grupo Escolar de Moema (1949). Todas assinadas por Hélio Duarte, em São Paulo
fotos Lilian Borges
CEU Vila do Sol (2008), no Jardim Ângela, em São Paulo
O projeto básico dos CEUs foi elaborado por Alexandre Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza, arquitetos da divisão de projetos do departamento de edificações da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo, sendo que o desenvolvimento do projeto e sua adaptação aos diferentes terrenos são feitos por diferentes escritórios de arquitetura. Um volume cilíndrico para a creche, um edifício de projeção retangular longo e estreito, em geral com três pavimentos para o ensino infantil e fundamental, um edifício que abriga teatro e instalações esportivas e ainda parque aquático com três piscinas.
Os CEUs são estruturas de grande porte, para 2.400 alunos, com a modulação bem marcada. A circulação vertical, no centro do bloco, se distribui nos andares em dois corredores laterais, como varandas, separados das salas por grandes caixilhos com vidro. Além da preocupação pedagógica e da de servir como praça e ponto de encontro nos finais de semana, os CEUs ainda acumulam a função de "catalisador" urbano: inseridos em áreas de construções precárias, espera-se que sua presença exerça uma marca positiva no bairro, favorecendo melhorias.
Arquitetonicamente, é curioso observar que características do desenho moderno dos anos 40 e 50 no Brasil, que geraram as soluções formais da escola-parque em Salvador e do Convênio Escolar em São Paulo, persistem tanto nos CIEPs dos anos 80, quanto nos CEUs que seguem sendo construídos em São Paulo. Naturalmente, a escala é outra, os tempos são outros, nos CIEPs e nos CEUs os projetos são padronizados com uso de elementos pré-moldados de concreto. No entanto, permanecem a divisão funcional dos volumes, o emprego de blocos alongados para as salas de aula e o contraponto de um volume que foge da ortogonalidade: nos CIEPs a biblioteca, nos CEUs a creche, nas escolas do Convênio as formas trapezoidais dos anfiteatros e na Escola-Parque Carneiro Ribeiro, em Salvador, a biblioteca de planta circular e cobertura de concreto radialmente dobrada em pregas.
Hélio Duarte, com sua intensa dedicação ao programa do Convênio Escolar, era cético quanto à capacidade dos equipamentos de ensino de solucionar problemas de educação. Em O problema escolar e a arquitetura, (Habitat no 4, 1951) escreve: "Se o Convênio Escolar, por força das circunstâncias, está dotando São Paulo de extensa rede de grupos escolares, cabe agora ao governo do Estado traçar novos rumos para nossa educação, sem o que estaremos, apenas, enfeitando um edifício obsoleto". Em Considerações sobre arquitetura e educação (Acrópole no 210) 1956, argumenta: "Procurar no desenvolvimento de um plano arquitetônico razões últimas para uma melhoria educacional parece-nos contrassenso. Arquitetura é precioso coadjuvante, mas não a base da educação.
Parece que tem sido mais fácil aos governos atingir qualidade nos equipamentos de ensino do que na educação propriamente dita. Entretanto, a arquitetura escolar não fica imune à decadência do ensino, sofre desde a falta de interlocução na definição espacial dos programas até o mau uso e a falta de manutenção, que comprometem o considerável patrimônio arquitetônico da escola pública brasileira.
Maria Alice Junqueira Bastos é pesquisadora independente, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP, autora do livro Pós Brasília: rumos da arquitetura brasileira.

http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/178/imprime122877.asp

Um comentário:

  1. “Certamente, priorizar do desenvolvimento em direção a qualificação da educação, disponobilizando empreendimento de projetos sociais arquitetônico ao se falar de projeto escolar. É um fundamento, que concederá a muitos que esperam, pelo visto há muito o que fazer. É preciso entrar em ação o quanto antes, com dedicação ao ensino público. Elaborando projetos criativos com vontade de ajudar, principalmente”.

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