domingo, 29 de maio de 2011

A escola com a cara da comunidade

Abril 2004
A escola com a cara da comunidade
Com a consulta aos pais e a participação de diretores, professores e funcionários é possível construir uma proposta eficaz, que atenda aos anseios da sociedade e às necessidades de aprendizagem dos alunos
Paola Gentile (pagentile@abril.com.br)


 A aluna Luciele Pedroso: necessidades conhecidas e atendidas pela equipe escolar. Foto: Tamires Kopp
A aluna Luciele Pedroso: necessidades conhecidas
e atendidas pela equipe escolar.
Foto: Tamires Kopp

Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, cada escola deve elaborar sua proposta pedagógica ouvindo todos os personagens que têm interesse no sucesso da educação e sabendo o que cada aluno precisa para crescer como estudante e cidadão. Hoje, autonomia é o conceito que rege o trabalho escolar e, para adquiri-la, é necessário ter objetivos claros e saber como alcançá-los. Essas definições, contudo, precisam ser feitas com a participação de todos: "O processo não é fácil, pois envolve sempre muitas pessoas com idéias e visões de mundo diferentes. Mas é a única maneira de construir uma identidade coletiva representativa", afirma Elydio dos Santos Neto, diretor da Faculdade de Educação e Letras da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo, município da Grande São Paulo.

Nessa e nas próximas páginas, você vai conhecer as dores e as alegrias vividas pela equipe de uma unidade da rede municipal de Caraguatatuba, no litoral paulista, ao revisar sua proposta pedagógica entre o final do ano passado e o início deste ano. Mostramos também como duas escolas de Porto Alegre procedem para elaborar sua proposta. As experiências comprovam como cada projeto deve ser único. Finalmente você vai conferir o caminho das pedras para sua escola entrar nesse processo, caso ela ainda não tenha uma proposta estruturada ou esteja planejando rever a já existente.
Trabalhar junto é difícil, mas indispensável
Marilene Mendonça Abel tinha medo de fazer críticas, quando ingressou na Escola Municipal Maria Aparecida Ujio, em Caraguatatuba, há dois anos: "Achava que poderia ofender o colega e criar um clima ruim entre nós", conta. Também temia que suas idéias não fossem aceitas nas reuniões pedagógicas. Porém, no ano passado, ela sentiu necessidade de propor maior interação entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, para que todos tivessem clareza sobre o ponto em que as crianças deveriam estar quando ingressassem na 1ª série, nível no qual leciona desde que entrou na escola. Ela percebeu que suas expectativas não combinavam com a abordagem feita pelas colegas que davam aulas para as crianças menores.

Rúbia de Castro Oliveira, uma das colegas da Educação Infantil, também teve de se reeducar. Ao ouvir as colocações de Marilene pensou que eram críticas ao seu trabalho. Mas durante as discussões ela percebeu que o problema estava na falta de clareza que só uma proposta pedagógica bem negociada pode trazer. "A troca de idéias levou a ótimos resultados", ressalta Rúbia. No ano passado, Marilene e os professores de Educação Infantil desenvolveram atividades que beneficiaram os estudantes e fortaleceram a proposta da escola.

Para ter sucesso e levar todos os alunos à aprendizagem, a proposta pedagógica deve contar com a participação e com as idéias de todos os educadores. A diretora Olímpia Arruda reforça o argumento: "O aluno não é apenas de uma professora - ele é de toda a escola. Só o trabalho coletivo vai fazer a criança avançar em sua aprendizagem".


Os pais devem sentir que a escola é deles
A escola tem diversas ferramentas de avaliação que servem de fonte de idéias para a proposta pedagógica, como os horários de trabalho coletivo e os relatórios que os professores fazem ao final de cada projeto. No primeiro mês de aula, eles ainda observam o desenvolvimento das turmas para detectar as necessidades de aprendizagem. Durante as matrículas, os familiares dos alunos são entrevistados para que a equipe conheça as expectativas em relação ao trabalho pedagógico e as mudanças no perfil da comunidade.

Mas para a proposta ser eficaz é preciso também atrair os pais para as reuniões em que a missão da escola e seus projetos futuros serão decididos. Segundo a diretora Olímpia, essa é uma das tarefas mais difíceis, pois eles estão acostumados a ser chamados somente para receber notícias - geralmente más - sobre seus filhos. Durante o ano, porém, a escola de Caraguatatuba oferece oficinas de pães, de confecção de bonecas e outras atividades que podem ser usadas como fonte de renda pela família. A biblioteca e a sala de informática ficam abertas à noite e nos finais de semana para a comunidade. "Assim os pais sentem que a escola também é deles", avalia.


Interação marca revisão de proposta
Depois desse encontro, começa a revisão da proposta pedagógica e o planejamento anual. Durante dois dias a equipe da escola se fecha na sala de informática e, com todas as avaliações e sugestões dadas pelos pais e pelos funcionários, inicia a última etapa do processo. São momentos de grande interação entre os professores. Agrupados por série, eles relacionam os objetivos atingidos e os não alcançados no ano anterior. As sugestões para que as metas se concretizem vêm deles próprios e de colegas de outras séries, encadeando assim todo o processo de ensino. "Nesse momento reestruturamos todo o currículo e pensamos em novas ações pedagógicas", explica Débora da Silva Pillon, vice-diretora e relatora. O grupo resolveu que em 2004 os alunos da 4ª série devem melhorar em Matemática, já que no ano anterior a média (4,5) ficou muito aquém do desejável. Para tanto, vão explorar mais as situações do cotidiano nas atividades que serão realizadas.

Depois dessa reunião de finalização do documento, a proposta pedagógica da Escola Municipal Maria Aparecida Ujio é impressa em uma só cópia e colocada em uma pasta catálogo, folha por folha. Ela fica à disposição na sala conjunta da direção e da coordenação pedagógica. Isso facilita sua manipulação durante o ano: os professores fazem anotações nas páginas quando percebem que algo não está adequado, anexam sugestões, comentários e novos materiais que possam ser incorporados quando ela for toda revista. Mas a equipe não consegue esperar pelas reuniões formais do final do ano para alterar sua prática. As sugestões vão sendo discutidas e incorporadas à rotina da escola e de cada sala de aula nos 200 dias do ano letivo.



Públicos diferentes, projetos diferentes
A Escola Municipal Migrantes, na periferia de Porto Alegre, tem 400 alunos, a maioria filhos de catadores de lixo e de pessoas que vivem de bicos no entreposto hortifrutigranjeiro que abastece os mercados locais. O Colégio Sévigné, a 14 quilômetros da Migrantes, fica na parte residencial do centro da cidade. Seus 840 estudantes são filhos de funcionários públicos e de profissionais liberais. A equipe pedagógica da escola pública está sempre à procura de soluções para a falta de interesse dos alunos, a violência e as dificuldades de aprendizagem, dentro do objetivo maior de formar sujeitos autônomos e críticos em relação à desigualdade social. A do particular quer formar jovens dentro da filosofia evangélico-libertadora, comprometidos com a transformação social. Por causa dessas características, cada uma tem um jeito diferente de elaborar e de implementar sua proposta pedagógica.


Proposta 1: dinamismo nas mudanças
Em 2000, a prefeitura de Porto Alegre concluiu a Constituinte Escolar e implantou o projeto Escola Cidadã, em que representantes de todas as unidades da rede reuniram-se para traçar as diretrizes do ensino municipal. A partir daí, cada unidade deveria elaborar sua proposta pedagógica. Há dois anos a Escola Migrantes começou a elaborar a sua. Semanalmente a equipe de 40 docentes reúne-se para procurar maneiras de atender alunos com poucas oportunidades de aprendizagem. Lendo, debatendo e conhecendo outras experiências da rede, os professores encontraram soluções.

A proposta ainda não está concluída: "Sempre surgem novas questões e ainda não conseguimos finalizar o documento", conta Angélica Sontag, coordenadora da Migrantes. Apesar de o registro ser importante, a falta dele não tira o compromisso dos profissionais da escola com o seu público, pois os consensos viram rotina, como as modificações no tempo e no espaço feitas para resolver problemas de comportamento e de aprendizagem. O período de aula passou de 45 minutos para duas horas como forma de contemplar atividades de reflexão e de pesquisa de campo e de aumentar a participação dos alunos. Foram montadas salas-ambiente para todas as disciplinas. "Comecei a aprender mais quando a escola mudou", conta Luciele Pedroso, de 15 anos. O recreio passou de 15 para 30 minutos. Para ocupar esse tempo, o pátio foi dividido por atividades - o canto do pega-pega, das brincadeiras com bola, dos brinquedos de montar e da dança - todos com monitoria dos mais velhos. Até um programa de rádio foi criado. "Na primeira semana dessa nova rotina não houve nenhuma briga, o que era muito comum", relembra a coordenadora pedagógica Ana Paula Gomes.

José Carlos Libâneo, professor da Universidade Católica de Goiás, ensina em seu livro Organização e Gestão da Escola que todo projeto pedagógico-curricular é inconcluso, pois "escolas são instituições marcadas pela interação entre as pessoas, pela sua intencionalidade, pela interação com o mundo exterior". Mas até o final do ano - a equipe promete - a proposta da Migrantes estará redigida.


Proposta 2: duração de quatro anos
O Plano Global do Colégio Sévigné é entregue aos professores assim que eles são admitidos na instituição. Elaborado pela primeira vez na década de 1970, ele é revisto a cada quatro anos. 1988 foi marcante, pois a avaliação dos alunos passou de conceitos para relatórios individuais. "Foi uma revolução", lembra-se Luciana Chaves Kroth, professora de 4ª série. Na semana em que o plano foi reestruturado, diversos educadores foram lá discutir novas maneiras de avaliar. "O Plano Global precisa sempre ser adaptado às mudanças sociais", diz Vânia Maria Loeblen Flores, coordenadora do Serviço de Unificação Pedagógica. Porém, durante os quatro anos de vigência do documento, a equipe do Sévigné não se sente engessada. Os planejamentos anuais reúnem professores, alunos e orientadores pedagógicos para analisar o que deu certo e o que não funcionou no ano anterior, por série. Um exemplo: até 2001, só as 6as série tinham noções de meio-ambiente, tema diluído nas aulas de Geografia. Os estudantes ficaram tão entusiasmados com as atividades que sugeriram que todas as turmas, a partir da 5ª série, tivessem contato com a ecologia, ampliando assim a quantidade de temas estudados. A sugestão foi acatada pelo coletivo de todas as séries e implementada no ano seguinte.

Diversos assuntos vão pontuar este ano os debates de revisão do plano. Os professores querem intensificar o trabalho por projetos nas turmas de 5ª a 8ª e lapidar a avaliação diagnóstica e formativa. "Gostaríamos de fazer programas culturais, sociais e de lazer fora da escola com a turma", reivindicam Mariana Tadewald e Juliana Brauner, ambas de 11 anos, colegas na 6ª série. As aspirações, simples ou complicadas, devem ser discutidas, para que cada escola tenha sua própria cara, sua própria proposta pedagógica.
Como fazer uma proposta pedagógica, tintim por tintim


Existem várias denominações para a proposta pedagógica - projeto pedagógico, político-pedagógico ou pedagógico-curricular, plano da escola etc. O importante é cada escola elaborar o seu documento. A LDB dá as diretrizes e os Planos Estaduais ou Municipais, quando existem, dão os parâmetros específicos do ensino da rede.

Momentos de elaboração ou revisão
A proposta pedagógica deve ser revista periodicamente (é mais comum isso acontecer de ano em ano), mas em alguns momentos a revisão é essencial. Por exemplo, quando ocorre mudança de grande parte do corpo docente ou do perfil da comunidade atendida.
Tempo de elaboração

Algumas equipes elaboram sua proposta em uma semana, outras levam de três a seis meses, e há aquelas que demoram um ano para concluir os trabalhos, principalmente quando o projeto é elaborado pela primeira vez.

Pontos essenciais
Segundo Elydio dos Santos Neto, existem quatro perguntas que toda proposta deve contemplar:
Quem somos? (perfil da comunidade e do aluno)
Onde queremos chegar? (objetivos - tipo de ser humano e de sociedade que a escola quer ajudar a formar; metas de aprendizagem, dentro dos parâmetros da LDB)
Como chegar a esses objetivos? (princípios - desde a forma de tratar os alunos até os critérios para avaliar e para selecionar conteúdos, atividades e estratégias de ação)
O que fazer? (projetos e ações para atingir as metas)

Etapas de trabalho
Diagnóstico da comunidade - entrevistas com os pais, visita às famílias e coleta de dados oficiais junto ao poder público ou a associações de moradores são ferramentas que ajudam a traçar esse perfil.
Sensibilização - reuniões por segmentos (funcionários, pais) para explicar a importância da iniciativa e da participação de todos são aconselháveis, assim como a distribuição de textos sobre o assunto antes dos encontros, para que os participantes possam levar dúvidas e sugestões.
As reuniões - comece sempre com uma atividade de integração, para descontrair e favorecer a participação. Para que todos tenham voz e vez, Elydio sugere que os temas polêmicos sejam discutidos antes em pequenos grupos, compostos de 3 a 5 pessoas, no máximo. Dessa forma, todos falam e são escutados. Os resultados dessa etapa são levados para a grande reunião e o que for consenso vai para a proposta pedagógica.
Definição de objetivos - esse item precisa contemplar metas muito claras e definidas, por série ou ciclo, estabelecendo-se os prazos em que cada uma deve ser atingida e o que cada um precisa fazer para a sua viabilização.
Divulgação - todos na escola precisam estar cientes dos termos desse grande acordo coletivo. Faça uma reunião com a comunidade para apresentar os principais pontos do documento. Cada professor pode receber uma cópia, como ocorre no Sévigné, ou consultar o exemplar único, como acontece na Escola Maria Aparecida Ujio. O importante é que as informações e as propostas circulem, sejam debatidas, utilizadas, criticadas e modificadas.


Quer saber mais?
CONTATOS
Colégio Sévigné, R. Duque de Caxias, 1475, 90010-283, Porto Alegre, RS, tel. (51) 3225-7499

Escola Municipal Maria Aparecida Ujio, Av. Primeiro de Maio, 285, 11667-810, Caraguatatuba, SP, tel. (12) 3887-3836

Escola Municipal Migrantes, Av. Severo Dullius, 165, 90200-310, Porto Alegre, RS, tel. (51) 3371-1316

Instituto Protagonistés, R. Ferreira de Araújo, 221, cj. 78, 05428-000, São Paulo, SP, tel. (11) 3026-9165

BIBLIOGRAFIA
Organização e Gestão da Escola: Teoria e Prática, José Carlos Libâneo, 259 págs., Ed. Alternativa, tel. (62) 229-0107, 28 reais

Uma Escola com Projeto Próprio, José M. Bautista Vallejo, 94 págs., Ed. DP&A, tel. (21) 2232-1768, 15 reais
http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&aq=1h&oq=&hl=pt-BR&ie=UTF-8&rlz=1T4ADFA_pt-BRBR344BR345&q=conceito+pedag%c3%b3gico+%2c+o+que+deve+ter+em+uma+escola%2c+com+foto

Um comentário:

  1. "É pertinente ter uma proposta pedagógica em uma comunidade, fazer com que a escola tenha a sua cara através do perfil da comunidade interagindo a todos os alunos e aberta a todos. Sendo uma escola com espaços interessantes e lúdicos priorizando o aprendizado de um ensino educacional que deixa muito aquém".

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