sábado, 2 de abril de 2011

Representante do Estruturalismo - Arquitetura humana "Herman Hertzberger"

aU - Arquitetura & Urbanismo 

     

Sander Troost escreve sobre vida e obra do arquiteto holandês Herman Hertzberger
POR SANDER TROOST

  
Desde seu primeiro projeto em 1959, o arquiteto holandês Herman Hertzberger se tornou um dos grandes mestres da arquitetura holandesa. Considerado um dos mais importantes representantes do Estruturalismo, suas ideias sobre arquitetura são conhecidas no mundo inteiro por meio de seus projetos, livros e palestras.
Herman Hertzberger nasceu em Amsterdã em 1932. Estudou na Universidade de Delft, também na Holanda e, logo depois da formatura, fundou o escritório Architectuurstudio Herman Hertzberger. Nessa fase, participou da redação da revista Forum com, entre outros, Aldo van Eijck e Jaap Bakema. Ambos eram integrantes do Team 10, um subgrupo dentro do CIAM formado por arquitetos de uma nova geração, também incluindo os Smithsons. Na primeira edição da Forum, em 1959, a equipe publicou um famoso manifesto baseado nas ideias do Team 10, criticando a arquitetura fria do Funcionalismo do pós-guerra. Propuseram substituí-la por uma arquitetura baseada na interação e escala humana. O jovem Hertzberger foi profundamente influenciado pelas reuniões semanais da redação. As ideias sobre arquitetura que desenvolveu durante esse período formaram a base para seus futuros projetos, suas   publicações e seus ensinamentos.
No Estruturalismo, Hertzberger encontrou as pistas para chegar nessa arquitetura mais humana. Desenvolvido pelos membros do Team 10, mas também abordados por outros arquitetos como Louis Kahn e Kenzo Tange, o Estruturalismo contou com dois aspectos distintos. De um lado, a Estética do Número, de Van Eijck, na qual um projeto é composto de uma unidade repetitiva, como células biológicas. Um famoso exemplo é o Burgerweeshuis, em Amsterdã, do próprio Van Eijck. Do outro lado, a Arquitetura da Diversidade, de John Habraken, defendendo que uma obra de arquitetura não é um resultado estático dos esforços do arquiteto, mas uma estrutura que convida a ser habitada, adaptada e modificada no tempo pelos usuários. Hertzberger usa o Anfiteatro em Arles, França, para ilustrar esse princípio. Construído nos tempos Romanos como arena de gladiadores, a edificação passou a ser até uma cidade fortificada na Idade Média, retomando sua função de teatro recentemente. Durante todo esse tempo, foram a forma e a estrutura do edifício que incentivavam as pessoas a intervir com a arquitetura. No entanto, o Estruturalismo nem sempre se refere à forma estrutural do edifício. A forma estrutural também pode ser a malha organizadora de uma cidade, o uso repetitivo de um material pré-fabricado ou um módulo compondo uma planta.
MODULAÇÃO E LIBERDADE
Em seus 50 anos de carreira, Herman Hertzberger projetou um impressionante número de obras de arquitetura. Embora os projetos sejam de uma grande diversidade, são quatro as tipologias que mais se destacam no desenvolvimento do arquiteto e na sua contribuição para com a arquitetura: escolas, teatros, prédios de escritórios e prédios residenciais.
Seus primeiros projetos mostram claramente uma fusão dos conceitos de Van Eijck e dos de Habraken. Segundo Hertzberger, são a ordem e as regras definidas pela arquitetura que providenciam a liberdade aos usuários para interagir com as construções.
A escola Montessori em Delft (1966) tem uma planta modular, contando com as salas de aula como unidade repetitiva. Mas é pela concepção dos espaços e materialização do projeto que Hertzberger deu à escola a liberdade para apropriar-se da arquitetura. Logo depois desse projeto, Hertzberger desenvolveu esse princípio numa escala maior para dois prédios de escritório. São os edifícios do Centraal Beheer em Apeldoorn (1972) e do Ministerie van Sociale Zaken en Werkgelegenheid em Haia (1990).
Ambos mostram uma planta modular, possibilitando a ampliação do prédio quase infinitamente, sem alterar a linguagem arquitetônica. A estrutura em concreto pré-moldado forma a trama dentro da qual os espaços internos podem ser modificados, como um recheio temporário definido pelos usuários. Durante os anos após a inauguração, a escola aumentou de quatro para 11 o número de salas, em várias etapas e dentro da mesma linguagem arquitetônica, comprovando a veracidade do conceito.
Uma espetacular intervenção em uma de suas obras é feita pelo próprio escritório na ampliação do Muziekcentrum Vredenburg, em Utrecht, projeto de 1978. Em cima do prédio existente, algumas novas salas são projetadas por diferentes arquitetos dentro de uma estrutura definida por Hertzberger, como se fosse um masterplan na escala do edifício. O Muziekcentrum, ou centro de música, se transformará em um Muziekpaleis, um verdadeiro palácio de música.
A liberdade projetual para intervir com a arquitetura não apenas se concentra nas fases de ampliação ou reforma: também no dia-a-dia a arquitetura de Hertzberger convida seus ocupantes a interagir com os espaços de seus prédios. Frequentemente, o mobiliário é parte integrante da arquitetura, tornando-se objeto multifuncional dentro do espaço.
No projeto da escola Montessori de Delft, bancos, mesas e escadas são elementos feitos do mesmo bloco de concreto que compõe o prédio. Parece que os espaços interiores são esculpidos no concreto. São os alunos que dão significado aos elementos, definindo os objetos em um momento como mesa, a qual logo se transforma em um palco. Em muitas das suas escolas, escadas são usadas tanto para circulação quanto para encontros, transformando-se em uma praça de assentos para o almoço ou em uma arquibancada. O guarda-corpo pode ser desenhado como espaço de trabalho ou repouso em volta dos vazios, criando, revitalizando e enriquecendo os espaços centrais, como se vê no colégio Montessori-Oost em Amsterdã.
Ao longo do tempo, a preocupação com a estrutura e a modulação ficou menos evidente nos projetos do escritório. A linguagem arquitetônica ficou mais diversificada e outros conceitos como o programa, a relação com o contexto e a estética do desenho ficaram mais decisivos na concepção da arquitetura. Assim como a forma dos prédios gêmeos de Waternet, em Amsterdã (2005), é em grande parte o resultado da sua implantação, enquadrando as linhas de visão de uma curva importante do rio Amstel. A preocupação com a estética do desenho fica clara no Chassé Theatre, em Breda (1995), ou na Faculdade NWI, da Universidade de Amsterdã (2009). O teatro se apresenta como cobertura, feita de um conjunto de ondas as quais cobrem e juntam as diferentes funções e espaços do teatro. A faculdade tem uma fachada com um tema parecido, porém com ondas feitas de linhas retas, referentes ao ar sério e industrial do seu conteúdo.
ESPAÇOS SOCIAIS
No entanto, desde o primeiro projeto em 1959 até os projetos mais recentes, é o aspecto social da arquitetura que serve como grande inspiração para o escritório. "Arquitetura é preocupada demais com Arquitetura. Ilustrações dos meus projetos mostram mais do que qualquer outra coisa: arquitetura interagindo com as pessoas, não como figurantes, e sim como estrelas." "A arquitetura à qual aspiro fazer engloba a poesia da sociedade e da convivência, em outras palavras deve proporcionar as condições espaciais certas para a vida social."
Essa preocupação ganha forma principalmente na arquitetura das áreas comuns dos edifícios. Áreas de circulação nunca são apenas corredores, mas são sequências de espaços dimensionados e detalhados para proporcionar encontros sociais, parecidos com o espaço público de uma cidade pequena. See and be seen, olhar e ser olhado, ou, como Hertzberger nos lecionou durante nossa primeira palestra na Faculdade de Delft, "quando (você) se senta para projetar uma escola primária, tem de desenhar de forma que um aluno da terceira série possa se apaixonar secretamente por uma garota da quarta série".
O prédio do Centraal Beheer, frequentemente mencionado como exemplo-chave do Estruturalismo, também é um exemplo famoso do conceito garden office. A área de circulação é literalmente formada como uma paisagem urbana, com ruas, travessias, praças e sacadas. Nas esquinas existem lugares para reuniões rápidas, contemplando o movimento nas praças. Essas praças, largas, dão margem a encontros e coincidências.
Enquanto os primeiros projetos mostram certa seriedade e rigidez na definição e na sequência desses espaços, as obras mais recentes possuem espaços mais flexíveis, como mostra o Posto de Bombeiros em Zwolle (2007). O prédio exibe em seus cortes uma sequência diagonal de espaços colocados em cima da garagem. Cada espaço é como uma praça com função própria, como escritório, dormitório, restaurante e quadra poliesportiva. Os andares estão conectados verticalmente por pontes e linhas de vista.
Inovador e de grande sucesso, esse conceito resultou num edifício compacto e transparente, substituindo a organização horizontal dos tradicionais postos de bombeiros. Uma montagem diagonal de praças também é escolhida com base para o prédio de escritórios da Aramis em Roosendaal (2008). Todas as funções de apoio, como sanitários, salas de reunião e áreas técnicas, são concentradas em um bloco fechado na fachada. O resultado é uma sofisticada paisagem vertical de escritórios, completamente transparente.
A ARQUITETURA DOS DETALHES
A ênfase na especialidade dos projetos resultou numa preferência para materiais industriais de relativo baixo custo. Isso é inerente à filosofia do escritório, segundo a qual o dinheiro deveria ser gasto principalmente com a criação de espaços. A escolha para esses materiais também dá aos espaços uma característica pública, quase como espaços urbanos.
Nos primeiros projetos, como na escola Montessori, no Centraal Beheer e no Muziekcentrum Vredenburg, a materialização é robusta, feita com materiais modulares, como blocos de concreto e de vidro. A modularidade dos materiais escolhidos permitiu a padronização do detalhamento e facilitou eventuais adaptações no futuro. Simultaneamente, os espaços ganham uma textura urbana, incentivando ao usuário uma identificação com o espaço.
Paralelo ao desenvolvimento espacial da arquitetura, a materialização perdeu seu aspecto robusto nos projetos posteriores. Outros materiais como a madeira e o aço ganharam lugar na arquitetura do escritório. Na escola Montessori College Oost (1999), um jogo de pontes, escadas e passarelas em madeira e aço dá leveza e tangibilidade aos espaços internos. Uma comparação entre a área central dessa escola e os espaços da Montessori em Delft mostra claramente a evolução desse aspecto da arquitetura do Hertzberger.
Apesar da preferência para a aplicação de materiais relativamente baratos, o detalhamento dos prédios é sempre extremamente minucioso. Para o projeto do Ministerie van SZW, a equipe de arquitetos analisou todos os possíveis nós da estrutura pré-moldada e definiu um padrão para esses detalhes. Os encontros entre colunas, vigas, consoles etc., são espacialmente definidos e formam o elemento-chave da expressão arquitetônica das fachadas e dos espaços internos. em Utrecht. Uma linguagem parecida se encontra no Muziekcentrum Vredenburg,
No projeto da estação de tratamento de água em Amsterdã, a aplicação de aço e vidro combina com a função e estilo industrial do edifício. Mas seu detalhamento e suas curvas fazem desse prédio um inesperado espetáculo arquitetônico. As fachadas contam ainda com cortinas d'água, referindo-se ao processo de tratamento. Um detalhe bastante conhecido na arquitetura do escritório, se estabelecendo quase como assinatura, é o das escadas metálicas. Presentes em muitos projetos, as escadas colocadas em pontos marcantes dos espaços internos são projetadas como esculturas.
O ESCRITÓRIO
Além de ser um arquiteto altamente produtivo, Herman Hertzberg também divulgou suas ideias sobre arquitetura em vários livros, publicações e palestras. Especialmente a sequência de livros Lessons for students in Architecture, publicada no Brasil em 1996 pela Martins Fontes Editora com o título Lições de Arquitetura, é referência para estudantes e arquitetos no mundo inteiro. Seus projetos continuam a ser assunto de inúmeros livros e publicações. Foi convidado para ser professor e membro de honra por universidades e institutos de arquitetura de vários países, entre eles França, Inglaterra, Estados Unidos e Escócia. Ainda viaja o mundo para dar palestras.
Atualmente o escritório se encontra numa fase de transição. Herman Hertzberger está terminando sua grande carreira e se afasta aos poucos do dia-a-dia do escritório, envolvendo-se apenas em alguns projetos para se concentrar mais em suas publicações e palestras. Para garantir a continuidade do escritório e a inovação da sua arquitetura, divide os projetos com dois sócios. O nome do escritório oficialmente mudou de Architectuurstudio Herman Hertzberger para Architectuurstudio HH, representando o fato de que a responsabilidade pelo escritório e suas obras não dependem mais de uma pessoa só. Desde a mudança, seus sócios Laurens Jan ten Kate e Patrick Fransen, ambos colaboradores de muitos anos, ficaram encarregados dos projetos.
O que não mudou foi o espírito do escritório, que se parece com os estúdios de uma faculdade de arquitetura. O jeito de trabalhar é horizontal e em grupos pequenos, e os projetos se formam assim como o resultado da energia e esforço da equipe inteira. Os espaços altos e brancos da antiga escola onde o escritório está localizado contribuem para o espírito de estúdio. Existe uma equipe que faz maquetes físicas de todos os projetos para testá-los, discuti-los e apresentá-los. Mesmo situada no subsolo do prédio, essa sala de maquetes está sempre cheia de pessoas. Nos meus dias no escritório, se Hertzberger não estava circulando, respondendo perguntas ou dando sua opinião, a sala de maquetes era o melhor lugar para encontrá-lo.

Agradecimentos
Architectuurstudio HH
Harm Freymuth
Angélica Larocca Troost
Sander Christiaan Troost é sócio do escritório paulistano Studio Troost. Terminou seu Master em Arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Delft (Holanda) em 2005. Durante seus estudos fez intercâmbios na Ecole Politechnique Federal de Lausanne (Suíça) e na Universidade de São Paulo (Brasil). Ao se formar trabalhou no escritório de Herman Hertzberger em Amsterdã, até fundar o escritório Studio Troost, em 2006. Após se mudar para o Brasil, trabalhou na Cabeza Sastre Ltda, até recomeçar o Studio em Janeiro 2008, com sua sócia Angélica Larocca Troost. Publica frequentemente artigos sobre arquitetura em sites e revistas na Holanda e no Brasil.
BIBLIOGRAFIA Herman Hertzberger 1959-1986, Arnulf Lüchinger, 1987, Arch-Edition, Den Haag, ISBN 9071890015
Articulations, Herman Hertzberger, 2002, Prestel, Munich-Berlin-London-New York, ISBN 3791327917
Lições de Arquitetura, Herman Hertzberger, 1996, Martins Fontes Editora, São Paulo, ISBN 8533610343
http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/188/imprime155940.asp


2 comentários:

  1. A verdadeira função de um observador é puxar da mente as suas reflexões que é algo da experiência consciente, inevitavelmente a qualquer esforço, a procura de respostas objetivas a estímulos externos.

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  2. Mas isto é um grande resumo do texto. E qual é a relação de tal fato com sua monografia?

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