sábado, 23 de abril de 2011

POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA

http://www.interativadesignba.com.br/III_SPSC/arquivos/sessao7/168.pdf


POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA

AUTOR DO TEXTO: Leticia de Lima Viana

Cidade e processos educativos no Rio de Janeiro:
Cieps e Peu bairro-escola, no caminho das cidades educadoras

RESUMO: Esta pesquisa tem a pretensão de mostrar a importância da concepção do espaço físico escolar, do pensar a escola como um espaço aberto a aprendizagem desde sua edificação e para além dela. Partindo da carta das cidades educadoras, avaliar como o espaço urbano das periferias pode também ser usado como espaço para a educação e construção crítica dos alunos e não se configurarem no imaginário construído apenas como espaços de exclusão e violência, mas sim de pertencimento, território e cultura própria.
Sendo assim, utilizar como paradigmas, no estado do Rio de Janeiro, duas iniciativas: uma anterior ao conceito de “Cidades Educadoras”, os Centros Integrados de Educação Pública, e outra posterior e atual, o PEU Bairro-Escola de Nova Iguaçu. Os CIEPs foram utilizados como paradigma arquitetônico principalmente por ter sido um espaço diretamente pensado para o Programa Político Pedagógico da época. Além de, ao longo de todos esses anos após sua criação, ter passado por sérias modificações em seu estado físico e em seu PPP, possibilitando uma reavaliação de sua posição como equipamento educacional e cultural. O PEU Bairro-Escola e seus respectivos projetos em aplicação no município de Nova Iguaçu revela uma iniciativa pública de reestruturação e requalificação urbanística de periferia que leva em consideração todos os pontos necessários para promoção da educação nos âmbitos físicos, sociais, políticos e ambientais.
Avaliando a relação ensino-aprendizagem dos discentes dentro e fora dos edifícios escolares, procurando elencar os principais novos territórios onde estão acontecendo as ações educativas nas periferias, através de metodologias de pesquisa qualitativa adaptadas a educação. Abordando a importância do pensar o espaço escolar a partir de uma realidade já constituída como espaço físico dentro de um espaço de periferia. Construindo assim, de maneira geral, um espaço lúdico capaz de instigar o imaginário discente e criar um repertório iconográfico da cultura local.

PALAVRAS-CHAVE: Urbanismo, arquitetura, gestão participativa, educação.
INTRODUÇÃO

A questão principal, então, é o espaço. A maneira como ele é construído fisicamente mas também adquire relevância e significado. Na definição de SANTOS (2006), “sistemas de ações e sistemas de objetos”, vamos nos ater a duas de suas categorias analíticas, partindo da configuração territorial das periferias, o espaço produtivo ou produzido e as formas-conteúdo.
“O espaço será visto em sua própria existência, como uma forma-contéudo, isto é, como uma forma que não tem existência empírica e filosófica se a considerarmos separadamente do conteúdo e um conteúdo que não poderia existir sem a forma que o abrigou.” SANTOS (2006), A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção.
As vistas áreas das periferias do Rio de Janeiro nos permitem observar o quão orgânico foram esses processos urbanísticos e da maneira informal como eles se dão. A forma urbana é o pressuposto da habitação, por isso nos deparamos com vielas tão pequenas que nos remetem a períodos como o Renascimento onde a escala era a do homem e não a da tecnologia. Claro que deve-se evidenciar os dois períodos como contraponto, o Renascimento com todas as suas questões humanistas e a formação das favelas e periferias como o „resto‟, „invadindo‟ territórios, áreas tomadas de exclusão.
Mas todo ser humano tem uma potência produtiva e procura exteriorizar suas aspirações. Na procura de exteriorizar potências, que não sejam aquelas relacionadas comumente as periferias como a violência, o humano se adequa ao espaço e produz o que lhe faz sentido, produzindo então algo que, mesmo não intencionalmente e nem a priori, vai produzir sentido para outros. E é essa a potência da arte. Dessa maneira, o humano se ressignifica como humano, pois o senso comum midiático não vê a população desses territórios como tal.
“A cidade são as pessoas físicas que compartilham um território e uma cultura urbana, as construções e demais elementos da paisagem urbana, as idéias e conceitos, os valores e símbolos, a memória e o projeto de futuro que estamos construindo”. COLOMER, Appud. FIALCOFF (1999).
Por isso, utilizamos parte dessa entrevista de COLOMER, assessor da AICE, para fundamentar o espaço como construção da sociedade nos aspectos político, econômico, cultural e social. Sendo uma construção continua, essas dinâmicas que permeiam a cidade, produzem mais do que gerações diferentes em períodos cíclicos, fazem da periferia um lugar que também produz uma relação de significado, consequentemente se produzindo, produzindo uma sociedade a sua maneira. Reinventando processos artísticos e culturais que ganham status de identidade, como um território de pertencimento, mas acima de tudo como uma referência, uma representação do lugar a partir das singularidades de cada um que tem com aquele espaço uma relação de pertencido e pertencedor.
Essa produção parte de um processo educativo relevante que revela singularidades. Os indíviduos nesses lugares elaboraram outros tipos de educação informal pois as relações sociais são outras que partem de necessidades e não de disponibilidade. Portanto, podemos sim, nessa perspectiva, pensar na aplicação de projetos com os conceitos de “cidades educadoras” em periferias. Partindo da potencialidade educativa que cada lugar de exclusão desses tem, poderiamos reverter essa comumente aceita “polaridade” para uma realidade negativa, fomentando políticas públicas voltadas para a educação cidadã como formação integral do indíviduo.

A educação e a periferia

O desafio da possibilidade de discutir o urbanismo através de uma perspectiva da educação, em parte também o inverso, resultou em um belo panorama do que deixamos de considerar no passado, mas que é uma obrigação para se pensar o futuro da sociedade: realizar a cidade com uma perspectiva de educação social enfocando a instituição escola como um equipamento urbano, parte de seu planejamento e políticas públicas de conjunto aglutinando todos os setores nesse compromisso com a educação.
A educação social aqui será considerada como tudo aquilo que concerne à formação humana para e na vivência em sociedade que antecede e permeia a educação formal em todas as instituições que podem ser consideradas escolares e educadoras, do ponto de vista da intencionalidade com vistas ao planejamento da ação educativa. Sendo as experiências educativas que se dão ao longo da vida, desde as convenções das relações interpessoais de sociabilidade, pârametros da convivência entre os grupos
sociais e adequação própria à realidade como animal humano racional (com as ressalvas dos comportamentos irracionais considerados pertinentes à humanidade), entre outros elementos da formação humana para vivência em sociedade que não se dão intencionalmente. Pode ser considerada também como “capital social” como descrito por Bourdieu mas, de certa forma, esse conceito é ampliado para além das trocas, das experiências vívidas e do que é adquirido nesse processo como capital em certa medida de vantagem para as classes sociais com maior poder aquisitivo. Representa o que, de maneira geral, é adquirido sim como capital mas com o valor necessário do suporte para a inserção e permanência nas relações humanas, seja qual for o grupo social no qual está inserido.
Considerando que o processo educativo está não só além mas, entretanto, anterior aos “muros da escola”, as experiências prévias e permanentes de educação social no meio em que o aluno está inserido permeiam a sua formação dentro do processo de educação institucional.
Para o planejamento urbano, a escola é um equipamento urbano relacionado à atividade educadora. Pode ser um grande equívoco legar a potencialidade educadora de uma cidade a apenas um elemento de um equipamento em que se concentra essa atividade, como comumente pensamos, e não levando em consideração toda a potencialidade educativa das intervenções nesse espaço, desse meio, e seus outros diversos equipamentos implantados que também suscitam e realizam esse potencial educativo na vida cotidiana das cidades, promovendo em parte mudanças inclusive nas questões culturais de cada sociedade.
A Escola é o lugar da educação formal, onde acreditamos que estamos sendo educados, adquirindo conceitos necessários a função econômica que iremos assumir perante a sociedade assim que estivermos “formados” ou “adultos” o suficiente para custear nosso próprio consumo. Essas relações de trânsito entre as fases do desenvolvimento humano acabam sendo legadas a esse “status” que se adquire junto com o poder de compra.

CIEPs e Bairro-escola: duas propostas no desenvolvimento da periferia como cidade educadora no Rio de Janeiro

Em parte vislumbrando pelo olhar da educação para a lógica urbana, poderiam ser recordadas algumas poucas iniciativas ligadas ao movimento dos educadores da Escola Nova com perspectivas a uma nova relação com o entorno urbano. Alguns teóricos as colocam, com uma clara visão distorcida, pensando pela ótica de uma cidade educadora já implantada, numa visão mais geral que caberia ao planejamento urbano, se dando num processo inverso do urbano para a educação.
“Apesar disso e, fundamentalmente, pela clara divisão entre um interior e um exterior institucional, houve numerosas tentativas de construir simulações desse exterior no espaço escolar; claro exemplo disso é a Escola Nova ou algumas práticas pedagógicas recentes que reconhecem a psicogênese como argumento teórico-metodológico.” BRARDA (2004), Argumentos e estratégias para a construção da cidade educadora. In: Cidade educadora: princípios e experiências.
Mas deve ser respeitada a sua importância como ação pedagógica que cabe a um estilo de época, datado sim, mas não menos relevante como experiência, particularmente considerada um paradigma pela antecipação a uma prática pedagógica atual relacionada às cidades educadoras. Os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública) resultaram dessa grande iniciativa de pensar essa relação educação-urbano numa perspectiva de políticas públicas pensadas em conjunto, mesmo envolvendo
poucos setores do governo e tratando o conjunto da edificação como esse catalisador da experiência da comunidade-bairro.
As periferias são locais potenciais para o aprendizado da construção crítica e a aplicação de conteúdos interdisciplinares como modo de tornar o espaço parte da educação e fazer a interlocução da escola com o entorno. Podemos contemplar a importância do pensar a escola como um espaço aberto a aprendizagem desde sua edificação. A mesma sendo resultado de uma equipe multidisciplinar envolvendo arquitetos e pedagogos, como paradigma perfeitamente adequado às questões discutidas, podemos ver o processo de construção dos Centros Integrados de Educação Pública.
O projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer para os CIEPs parte de um único propósito: levar a educação a população pobre mas numa escola agradável, aberta ao aprendizado e a comunidade. Darcy Ribeiro acreditava que as crianças pobres são excluídas do ensino pela própria escola que aplica esse modelo de meio período, equiparando-os aos alunos de classe média ou alta que tem capital cultural disponível. Para a maioria das crianças, a única cultura formal e culta a qual tem contato vem através da escola pois, em casa, estão expostos a cultura da televisão ou a cultura local.
Uma iniciativa como essa, em 1984, se colocava muito além do que se podia pensar pra uma época em que a experiência da ditadura militar ainda era recente. Por pouco, ainda sim, se demonstrou um avanço e o simbolismo que suas edificações adquiriram nesses lugares que, em mais de 25 anos passados e um imenso crescimento demográfico, são apenas resíduos da história mas que denuncia a descriminação com as “escolas de pobre” e seu PPP, destruídos como resultado de “governos de mudança”1. Algumas iniciativas nesse âmbito foram realizadas até então mas nenhuma desse vulto e com essa dimensão de educação popular mas também iremos aqui salientar outra iniciativa pública que serve como paradigma na atualidade para a validade da aplicação dos conceitos de “cidade educadora” em periferias: o PEU Bairro-escola do município de Nova Iguaçu.


1 Parte de um dos conceitos de ARGAN (2005) sobre o problema do tempo de permanência dos representantes eleitos e como estabelecem uma ligação baseada no marketing partidário a projetos e programas, causando grandes rupturas nas políticas de maior vulto no Estado ou país por conta da falta de continuidade e o problema de serem assumidos como políticas do governo e não de um governo.

“(...) o direito de desfrutar, em condições de liberdade e igualdade, dos meios e oportunidades de formação, entretenimento e desenvolvimento pessoal que a própria cidade oferece. (...), dever-se-ão levar em conta todas as categorias, com suas necessidades particulares.” AICE, 1990. Carta das Cidades Educadoras.
Numa perspectiva urbano-educação, o Projeto de Estruturação Urbana do município de Nova Iguaçu foi pensado para solucionar o contexto de fragmentação em que atualmente se encontra. O município é cortado por alguns grandes eixos de locomoção intermunicipal (linha férrea) e interestadual (Rodovia Presidente Dutra) que resulta numa composição morfologica de traçados de rua e bairros segregados pela espacialidade. Dificultando a mobilidade entre os “pedaços”dos bairros, com uma população que não reconhece sua identidade com o município, entre outros itens que constam da avaliação realizada para embasar as mudanças propostas no PEU. O projeto foi baseado em dois eixos propostos pelo atual prefeito:
“(...) (i) a melhoria da qualidade de vida, por meio, principalmente, da educação, de forma a ter impacto também nos altos índices de violência; e (ii) a melhoria e estruturação física da cidade através da qualificação dos espaços públicos.” PINTO (2008), Urbanismo na fragmentação: a resposta do Bairro-escola.
A experiência de cidades educadoras contempla uma rede formada por equipamentos e experiências potenciais que permitam aprender na cidade, da cidade e a cidade. A Carta das Cidades Educadoras (AICE, 1990) foi um instrumento construído no 1º Encontro das Cidades Educadoras em 1990 em Barcelona. Propõe que a educação seja um processo contínuo e permanente pois a escola não tem condições de transmitir todos os conhecimentos e informações do mundo contemporâneo, portanto as cidades se tornam espaços potencializadores da educação. As municipalidades devem ter como objetivo um projeto coletivo de governo que prime pela qualidade de vida, pela justiça social e pela promoção dos seus habitantes.
Por mais que as experiências citadas não façam parte de cidades que assinaram a carta das cidades educadoras e se comprometeram com seus princípios diretamente mas demonstram possibilidades de aplicação desses princípios em duas vias de pensamento, educação-urbano e urbano-educação, dentro da realidade das periferias.
Para as periferias, a multiplicidade de culturas urbanas que são criadas dentro de seus limites e limitações, respondem como podemos contemplar uma educação além dos muros da escola através do estímulo à pratica de viver e intervir, produzir no e o espaço em que se vive.

2 comentários:

  1. “A escola é o local, onde certamente as crianças adquirem a primeira visão do saber e aprender é um espaço aberto a aprendizagem, desde sua edificação. Sabendo-se então que para a maioria das crianças, a única cultura formal e culta a qual tem contato vem através da escola, pois, em casa, estão expostos a cultura da televisão ou a cultura local.Os espaços das escolas, sendo estes com mais atrativos, serão para as crianças o paradigma, que é um conceito que designa a forma da estruturação e funcionamento do cérebro humano, um modo de pensar, com novas concepções do saber”.

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  2. Há que se tomar cuidado com algumas colocações. A valorização da cultura local é de suma importância para o trabalho educacional.

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